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SAUDOSA MALOCA

Projeto curado por Alice Ricci, Ángel Calvo Ulloa e Carolina Cordeiro 

Coletiva: Adriana Aranha, Carlos Nunes, Cinthia Marcelle, Coletivo SC02 [Camila Otto e André Hauck], Detanico Lain, Ding Musa, Erica Ferrari, Flora Leite, Gabriela Mureb, Guto Lacaz, Leka Mendes, Mauro Cerqueira, Misha Bies Golas, Pedro G. Romero, Raphael Escobar, Rydias e Sandra Cinto.

Lembremo‐nos do início de Roma, filme dirigido por Federico Fellini em 1972. Uma máquina escavadora abre uma nova linha de metrô e avança, diante do olhar atento do diretor e de sua equipe de filmagem, passando por baixo da cidade. Subitamente a escavação é interrompida ao atravessar a parede de uma vila romana enterrada. Em seu interior, os trabalhadores da obra e a equipe de Fellini, observam admirados os afrescos que cobrem as paredes, mas que, em contato com o ar e a luz exterior, começam a desvanecer‐se diante do estupor coletivo.

Talvez esse fato determinante gere então um instante de eternidade de tão profundo deleite para os presentes, que esse momento de curtíssima duração sobreviverá impresso para sempre em suas retinas e marcará um antes e um depois no exercício da observação. Talvez possa ser extrapolado para muitas outras situações, para lugares da infância que sublimamos, acrescentando‐os à amostra do ideal, do que nunca será apagado depois de tê‐lo visto sucumbir sob as rodas do futuro.

Essa ideia de impermanência, deslocada para uma metrópole como São Paulo – sobre a qual Lévi-Strauss se referiu como uma cidade nova, do tipo que vai diretamente do frescor à decrepitude, que nunca será antiga nem incita a uma caminhada fora do tempo – adquire um significado ainda maior do que o exemplo anterior, já que a vida de um ser humano é suficiente para verificar os efeitos devastadores que em outras circunstâncias levaria séculos.

Saudosa Maloca toma como referencia um samba homônimo de Adoniran Barbosa para falar sobre um momento exato em que passado, presente e futuro se convergem e, por sua fugacidade, desaparecem para sempre. Não importa que o momento esteja presente naquela vila romana de Fellini ou em uma canção que narra o constante fim de ciclo que São Paulo enfrenta. Mais além desse tema recorrente, o conceito de dissolução, de desaparecimento sem deixar vestígios e o caráter de perplexidade que está por trás desses acontecimentos, proporciona a consciência necessária para o enfrentamento daquilo que, por diversas causas, não dura.

Portanto, Saudosa Maloca reúne uma série de artistas cujos trabalhos não poderiam ser entendidos sem a cidade de São Paulo, além de outros cuja relação com seus respectivos ambientes é semelhante e os leva a registrar momentos de perda como forma de evitar o esquecimento.

Por outro lado, não podemos perder de vista o exercício de Adoniran Barbosa e tantos outros, que usaram a música popular para converter em memoria alegre e coletiva, e patrimônio imaterial, experiências que outros lugares transformariam em luto. É por isso que a ironia é algo que por aqui permeia o trabalho de muitos artistas; uma carga de humor que mistura as dificuldades do presente e a necessidade de olhar para o futuro sem arrastar a tragédia. Esses ingredientes compõem essa música que, como aquelas pinturas descobertas sob a cidade de Roma, se extinguem de maneira poética. Por essa razão, Saudosa Maloca também pretende ser uma experiência passageira, assim como a música de pouco mais de dois minutos, para narrar de maneira nada categórica um panorama coletivo por meio de pequenas cápsulas de experiências pessoais que poderiam ser outras.

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