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Residência Paulo Reis _ Projeto Fidalga

com Alice Freire, Ana Lucia Mariz, Luciana Kater

 

Quimera

O Projeto Quimera realizado pelas artistas Alice Freire, Ana Lucia Mariz, Leka Mendes e Luciana Kater foi iniciado a partir de um processo de interlocução entre elas. Elas encontravam afinidades em suas pesquisas e produções artísticas, tanto em questões estéticas, formais e conceituais. 

Talvez a primeira parte deste processo tenha sido iniciada nos encontros do Grupo de Estudos do Ateliê Fidalga. Posteriormente dois momentos foram importantes para a realização deste projeto, no caso uma imersão em um espaço fora da cidade de São Paulo e também distante de outros perímetros urbanos, onde essa troca pôde ser intensificada pois não havia a possibilidade de interferências, outras interações e ruídos – que não fossem o da própria criação. Além disso, nesta imersão o embate real entre seus corpos e a paisagem, os momentos de silêncio, escuta, sonhos e reflexão foram importantíssimos para um estado quase de análise mesmo - em termos psicanalíticos. Nesta imersão as artistas desenvolveram uma série de trabalhos a partir desta experiência que foram levados e desdobrados na “residência Paulo Reis” – projeto de residência artística do próprio Ateliê Fidalga. Na residência, podemos dizer que é o estágio onde esses experimentos e trabalhos foram ganhando um contorno narrativo, discursivo e de certo modo mais epistemológico.

Uma espécie de ancestralidade presente nesses trabalhos é indiscutível. Em uma de nossas conversas tomei a liberdade de dizer que a ancestralidade é de fato um canal que é inerente as mulheres. Basta ver a produção de artistas do começo do século XX, como de Louise Bourgeois, Emma Kuntz, Hilma Af Klint, por exemplo. Ou seja, a possibilidade de quebrar com essa relação totêmica e binária com o mundo, a partir de uma produção poética-política vem dessa potência do feminino. Essa força mítica pode ser vista na produção dessas artistas. Essas questões também foram bastante exploradas por filósofas contemporâneas que investigaram essa relação do feminino com a ancestralidade, como Julia Kristeva e Suely Rolnik, por exemplo. Num recorte latino-americano, poderíamos citar como exemplos outras artistas, para sairmos da historicidade eurocêntrica - como Ana Mendieta, Ana Maria Miolino, Brígida Baltar e a performer Marta Soares.

A política nesses trabalhos não está nesse caráter muitas vezes “panfletário-metafórico” que a produção da arte contemporânea está tão imersa agora – de forma compreensível – pois esta é a maneira mais direta de se responder às problemáticas atuais. Esses trabalhos operam num nível mais profundo da subjetividade e aí que reside a política. Reverberam do micro para o macro refletindo sobre como esse macro afeta o micro em seu campo sensível, tanto no nível do corpo quanto da mente. Talvez a própria resposta a isso tudo seja o próprio projeto em si, ou seja, a criação desse corpo “quimérico” como forma de sobrevivência no mundo. A Quimera é uma figura mística caracterizada por uma aparência híbrida de dois ou mais animais, neste sentido poderíamos pensar que a nossa força hoje não estaria justamente nessa diluição no outro? Nessa incorporação do/no outro? Numa quebra de hierarquias e micro-poderes? Na morte do ego? Talvez sim. A complexidade da quimera está justamente nesta impossibilidade de categorização, de classificação e de estratificação. A força está em ser esse corpo informe, mutável e múltiplo. Deixar-se intercessorar, ser conjunto, ser muitos. Acho que essa é a resposta. E quanto dessas qualidades ou questões já não se encontram no feminino? Quase todas. O medo histórico do feminino é um dos grandes males do mundo. Viva as entidades, as bruxas, as feiticeiras, as xamãs, as artistas...

Bruno Mendonça

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