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Texto: Mario Gioia para exposição coletiva

Ao Sul, Paisagens


Ao Sul, Paisagens, como toda exposição coletiva, existe realmente de fato a partir das relações estabelecidas entre as obras a partir de sua disposição no espaço expositivo. O planejamento inicial e as ideias-esboço ganham potencia e se ‘corporificam’ nesse locus da arte contemporânea. Passada tal explicação, é bom frisar que os 16 artistas presentes no recorte não apresentam apenas paisagens ‘sulistas’ ou ‘sulinas’. Ha cenários diversos, e não apenas ‘ austrais’. O título da mostra tem a ver com o deslocamento vivido pelas obras, agora agrupadas de uma maneira inédita e criando elos outros que no momento de gênese.
Boa parte dos trabalhos e inédita ou apresentada poucas vezes. Há um site specific, desenho com traços de bela incompletude de Fiquei Ali. No Mar, de Marina Guedes, como a dar um fecho melancólico e critico ao conjunto de obras espalhadas pelo generoso espaço da Bolsa de Arte de Porto Alegre.

Já ao inicio de Ao Sul,..., a paisagem cinematográfica, a evocar a imagem mítica do cinema, esta presente na videoinstalação Chuva 6, de Dirnei Prates, que congela stills do filme Psicose (1960), de Alfred Hitchcock. Na sua frente, do mesmo artista, fotografia da serie Paisagens Populares agiganta os cenários de fundo de historias jornalísticas e torna quase uma pintura a particular textura do papel-jornal. Leopoldo Plentz realiza com apurada técnica Serraria, Bendito Novo, SC, 1985, que, com a grande escala de 1,50 m x 1,50 m, parece trazer o silencio de series de Ansel Adams para as particulares paisagens do campo brasileiro. O preto e branco a aproxima de outras fotografias na mesma parede, como a serie Caixa d’água, de Pedro Motta, e de exemplar de A Ideia de História, de Denise Gadelha. Motta transita por um território multidisciplinar, em que o desenho, a pós-produção e a ideia fazem sempre observarmos o registro apresentado e indagar sobre o natural e o construído nessas paisagens, questão também habilmente tratada por Gadelha, em que uma construção secular em Kassel, Alemanha, já evoca a ruína como um vetor de investigação poética em outros tempos.

O políptico Operadores 2, de Leka Mendes, torna o homem apenas indício de fragmentos algo caleidoscópicos de variadas paisagens, do Atacama chileno as planícies da Islandia. Logo ao lado, Leticia Lampert provoca claustrofobia também num políptico que serializa visões de janelas ao redor do mundo, um mundo cerrado, impedido, mas que pode ganhar contornos pictóricos. Em sintonia com a errância do homem altermoderno, destacado por Bourriaud, Layla Motta reedita os passos de figura-chave na historia da arte contemporânea, Robert Smithson (1938-1973). “Mas os subúrbios existem sem passado racional e sem os ‘grandes eventos’ da história”, escreve o expoente da land art em Um Passeio pelos Monumentos de Passaic, Nova Jersey, para a Artforum, em 1967. Passaic é serie revivida por Motta agora, cujas imagens indiciais e desfeitas ainda aumentam a visão aguda do artista norte-americano elaborada décadas atrás. Também em suas jornadas diárias coletando imagens e experiências, Ananda Kuhn faz desenhos de grande tamanho, em que o gestual joga a favor do conceito. Perto, fotografias da serie Licht, de Andre Lichtenberg, também faz desconfiarmos da imagem, uma paisagem de praia no Hemisferio Norte banhada por um tipo de light painting, em extrato noturno. O vídeo Something (City Without Shadows), de Marina Camargo, trabalha os planos de longa duração a captar o mais prosaico. Mauro Restiffe contribui para comentar certo ar pós-apocaliptico dos grandes aglomerados urbanos ao retratar São Paulo, cidade onde vive, com ares pouco otimistas, tanto na praça Roosevelt antes da reforma a descortinar massa de prédios-lapides, como no viaduto que passa acima da avenida do Estado levando a lugar algum.

As paisagens de Paulo Pasta, talvez o mais importante nome da pintura contemporânea no pais, misturam memoria afetiva e trabalho pictórico, obras de intensidade, mesmo pequenas, como os óleos sobre papel que trazem cenários vistos pelo artista em mistura com referenciais da historia da arte, de escolas francesas e holandesas, e as pinturas sobre monotipias que o artista paulista começou a desenvolver em programa da Fundação Iberê Camargo. Laura Gorski também intervém delicadamente sobre publicações que já ganharam o mundo e provoca novos sentidos, leituras e imagens sobre o universo do livro e suas paisagens codificadas. Une-se ao processo visual de Guilherme Dable, que cria obra multifacetada com desenhos, postais e escritos a partir de descrição que uma interlocutora iraniana fez sobre as paisagens escandinavas onde vivera. Tão instigante quanto Vera Chaves Barcellos, que apresenta o corpo como centro da paisagem pessoal em nova versão de Epidermic Scapes.

Mario Gioia, novembro de 2013

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